Consagração
Consagração
Na espiritualidade monfortina utiliza-se às vezes o termo consagração para designar toda a doutrina de S. Luís de Montfort; não obstante, o próprio santo o utilizar nos dois sentidos, que refletem os degraus do dom explícito de si mesmo a Deus. No primeiro sentido, o termo expressa uma das numerosas maneiras de significar a verdadeira devoção a Maria; indica, às vezes, a resolução de viver pertencendo a Ela implorando os seus cuidados maternos (Cfr. VD 116; ASE 215) a fim de viver mais plenamente o Evangelho. No segundo sentido, a consagração indica um estado de vida dinâmico que resulta da “perfeita consagração de si mesmo a Jesus Cristo, Sabedoria encarnada, pelas mãos de Maria”(ASE 223). Esta última devoção recebe também os nomes de “perfeita renovaçãodas promessas do batismo” (VD 120. 126), “consagração à Santíssima Virgem” (SM 31), “perfeita consagração a Jesus Cristo” (VD 120), “santa escravidão a Jesus em Maria”(SM 44), “entrega total a Maria como escravo e a Jesus por Ela; e, por conseqüência, fazê-lo todo com Maria, em Maria, por Maria e para Maria” (SM 28; Cfr. ASE 219; VD 118), “entrega a Jesus Cristo pelas mãos de Maria”(SM 35), “renovação da Aliança” (Cfr. CA) e no SM 70- 78, “a árvore da vida”.
Para Montfort, os conceitos de renovação das promessas do batismo e perfeita consagração, são sinônimos (ASE 223. 225; VD 120. 126-130). Toda a autêntica consagração deve estar vinculada ao batismo, e a perfeita consagração mais ainda que qualquer outra. Dado que pelo batismo fomos submergidos em Cristo, fundamentalmente consagrados nele, é evidente então que um ato voluntário de consagração perfeita, feito a ele por amor, não pode ser outra coisa senão uma renovação das promessas do batismo. Montfort não nos deixou um tratado à parte sobre o batismo, porém no Tratado supõe um reconhecimento profundo da sua importância e das suas consequências.
O Concílio Vaticano II lembra que pelo batismo (o cristão) morreu para o pecado e está consagrado a Deus (LG 44). O homem entra no terreno do sagrado através do batismo, porque é batizado na morte e ressurreição do consagrado, Jesus Cristo. Pelo batismo, o cristão é consagrado, marcado com a unção do poder do Espírito Santo: participa da consagração essencial de Jesus Cristo. Com Cristo e por Cristo fica orientado para a glória de Deus e a salvação do mundo. Já não se pertence: pertence ao Senhor que partilha com ele a própria vida.
Montfort, fiel às suas fontes, utiliza o termo escravo para ilustrar o sentido do ato fundamental e radical, que é o batismo (VD 68-73.126). Escravo, fora de qualquer conotação de opressão e servilismo, expressa apenas a “pertença” total a outro; parece que nas múltiplas culturas contemporâneas o termo se acha indissoluvelmente ligado a uma horrível injustiça, que se deve substituir por outras expressões. Ter fé, é pertencer a Deus só por Jesus Cristo no poder do Espírito Santo. Entramos neste estado de pertença a Jesus Cristo, pelo sacramento do batismo: neste sentido o batismo nos torna escravos de Jesus Cristo. Mas, como o prega S. Luís de Montfort aos cristãos do seu tempo, mesmo antes do batismo já pertencemos a Deus, em virtude de uma “escravidão natural”. Somos suas criaturas, pertencemos a Ele, não temos existência por nós mesmos. Cada respiro, cada batimento do coração é um dom gratuito de Deus porque a criação não é coisa do passado: realiza-se neste momento. Montfort descreve a nossa condição fundamental de criaturas como escravidão natural. Ora bem, segundo ele, podemos optar: ratificar por amor essa dependência total de Deus e converter-nos em seus escravos de amor, ou rejeitar a verdade da nossa pertença a Deus, nosso Salvador, e fazer-nos escravos por obrigação ou escravos de Satanás (VD 126). Pelo batismo, nos convertemos em escravos de amor, aceitamos o amor de Deus em Jesus Cristo, até ao ponto de sermos transformados na santidade de Deus.
A perfeita consagração é precisamente a renovação dessa aliança do batismo: “no seu batismo...(o cristão) elegeu Jesus Cristo como seu Dono e Senhor, para depender d’Ele na qualidade de escravo de amor” (VD 126).
O santo afirma que há três razões para chamar a esta consagração de “perfeita renovação dos votos batismais”. A primeira é que “no batismo falamos ordinariamente pela boca de outros – os padrinhos – e nos consagramos a Cristo por procurador. Enquanto que nesta devoção nos consagramos por nós mesmos, voluntariamente e com conhecimento de causa”(VD 126). Quer tenhamos sido batizados como recém-nascidos ou como adultos, podemos afirmar que a perfeita consagração nos oferece a oportunidade de aprofundar sempre mais o compromisso assumido e renovar os próprios fundamentos da fé. A segunda razão é que no batismo “não entregamos a Jesus o valor das nossas boas ações”, como já referimos anteriormente. E a terceira razão é que no batismo “não nos consagramos explicitamente a Jesus Cristo pelas mãos de Maria”(VD 126) como o fazemos por esta consagração.